Estudos Soviéticos em Educação Matemática
Tipos de Generalização no Ensino: Problemas de Lógica e Psicologia na Estruturação dos Currículos Escolares

V. V. Davydov


6.2. A teoria da generalização e do conceito nas obras de Rubinshtein


Nas últimas décadas, a teoria do pensamento mais detalhada em nossa psicologia está contida nas obras de Rubinshtein (1889-1960), que muito contribuíram para ampliar a solução de uma série de problemas fundamentais relacionados ao estudo dessa forma complexa de atividade mental. Aqui, apresentamos as teses básicas dessa teoria.

O pensamento é um processo de interação específica entre o sujeito cognoscente e o objeto que está vindo a ser conhecido.

O pensamento é a restauração mental mais completa e multifacetada de um objeto, da realidade, proveniente de dados sensoriais que surgem como resultado da influência do objeto (RUBINSHTEIN, 1958).

A atividade mental resolve esse problema geral por meio de componentes como análise, síntese, abstração e generalização, que transformam os dados sensoriais brutos.(1)

Esta descrição do pensamento como tal, em essência, coincide com as características do seu nível mais desenvolvido, o nível que é específico do homem moderno – as características do pensamento teórico. Isso não é por acaso. As obras de Rubinshtein dão um tratamento detalhado, a partir de uma posição materialista dialética, precisamente desse tipo de pensamento, que é designado como científico, teórico, e pensamento abstrato. Seu objetivo geral consiste em: 1) determinar a natureza dos fenômenos que estão sendo estudados nos conceitos, enquanto processa a partir de dados sensoriais e abstrai-se de propriedades que obscurecem as propriedades essenciais das coisas, e 2) procedendo das propriedades essenciais das coisas que estão fixadas nesses conceitos, explicar como elas se manifestam no mundo observado pelos sentidos (RUBINSHTEIN, 1957).(2) A primeira etapa é basicamente analítica; a segunda, sintética. A análise consiste em desmembrar as relações que se sobrepõem, em revelar as propriedades internas, essenciais das coisas em sua interligação regulada. Esse é o caminho da concretude sensível aos sentidos para abstrações que são fixadas em conceitos. Através da síntese, a transição reversa das teses abstratas para a restauração mental e explicação dos fenômenos observados – para o concreto – é implementada. Essa análise e síntese são duas operações básicas do pensamento teórico-científico, cujo método consiste numa ascensão do abstrato ao concreto (RUBINSHTEIN, 1957). “O abstrato é aquele através do qual a cognição mais passa; o concreto é aquilo para onde a cognição finalmente se dirige” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 110).

Assim, Rubinshtein aborda o pensamento principalmente como uma atividade mental perceptiva. Tal interpretação do pensamento é inerente à moderna teoria da cognição e à lógica dialética. É importante enfatizar que é nesta interpretação da natureza geral do pensamento que Rubinshtein viu a base para a sua posterior investigação psicológica. Ele escreveu:

O aspecto psicológico da análise (como de qualquer processo cognitivo) está inseparavelmente ligado ao epistemológico – ao reflexo da realidade objetiva [...] O processo com o qual a lógica lida é o processo de desenvolvimento do conhecimento científico no curso do desenvolvimento histórico. [...] Contudo, a psicologia estuda a atividade mental do indivíduo, o processo de pensamento nas características regulares de sua ocorrência. Assim, na teoria da cognição, trata-se da extensão da análise, generalização, etc., dos produtos do pensamento científico à medida que se desenvolve no curso do desenvolvimento histórico do conhecimento científico; em psicologia trata-se de analisar, sintetizar, etc., como atividade do indivíduo pensante (RUBINSHTEIN, 1959, p. 57).

Consequentemente, a psicologia deveria estudar a atividade mental do indivíduo nas formas de pensamento científico cujo processo de desenvolvimento histórico é estudado pela teoria da cognição ou lógica. Nisso, Rubinshtein viu o que é básico para superar a abordagem subjetivista do próprio mental.(3)

Em diferentes estágios da cognição, a unidade de análise e síntese assume formas qualitativamente diferentes (RUBINSHTEIN, 1957), o que, por sua vez, está relacionado a diferentes caminhos para a generalização. Rubinshtein destacou três dessas rotas.

A primeira rota é uma generalização empírica elementar, que é realizada como resultado da comparação, destacando as propriedades gerais (semelhantes) nas quais os fenômenos comparados coincidem. Esta é a generalização lockeana [...]. Essa forma pode ser utilizada de maneira prática, e na verdade é utilizada, nos estágios iniciais da cognição, até ser elevada ao nível de conhecimento teórico [...]. Esse tipo de generalização é apenas uma seleção de uma série de propriedades que são dadas empiricamente, direta e sinceramente; portanto, não é capaz de levar à descoberta de nada acima do que é dado diretamente, pelos sentidos [...]. O geral, ao qual se chega assim, permanece dentro dos limites das afirmações empíricas (RUBINSHTEIN, 1957, p. 150).

A comparação, como forma específica de inter-relação entre análise e síntese, efetua uma generalização e classificação empírica dos fenômenos. Pode destacar o geral como o semelhante, o formalmente idêntico, mas não garante a delineação do essencial (o semelhante é apenas um indicador externo e provável do que é essencial).

Esta rota do particular para o geral constitui a estrutura para aquela indução que foi elevada pelos proponentes do empirismo sensacionalista à categoria de método de generalização supostamente fundamental e único. Na verdade, é apenas um método elementar de generalização, que produz uma generalização empírica de ordem inferior (RUBINSHTEIN, 1957).(4)

“A segunda rota é a generalização por meio de análise e abstração [...]” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 150). Essa é “generalização à qual o pensamento teórico é elevado como resultado de uma revelação das conexões regulares e necessárias entre os fenômenos” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 141).(5) A análise, ao separar as propriedades essenciais das não essenciais, o geral do particular, transforma-se em abstração, mas a síntese aparece na transição de uma abstração para o mentalmente concreto. “A abstração no pensamento científico visa a revelar as propriedades internas e essenciais dos fenômenos em relações reguladas, segundo as quais a abstração é realizada” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 140).(6)

Uma generalização cientificamente justificada

não é o delineamento de quaisquer propriedades gerais. A generalização como um ato de conhecer o que é prático e cientificamente significativo é um delineamento, não de quaisquer propriedades gerais dos fenômenos, mas daquelas que são essenciais para eles. As propriedades essenciais são destacadas por análise e abstração [...]. Uma generalização científica é um efeito derivado da análise, que está relacionado à abstração. Aqui, a abstração que leva a uma generalização envolve um conceito científico e não separa o geral do particular. Num conceito científico, numa lei, o particular não desaparece, mas é retido na forma de variáveis que podem adquirir diferentes significados particulares” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 142-143).

Uma generalização científica

[...] é sempre não apenas uma seleção, mas também uma transformação [...]. A transformação do dado imediato, que conduz a um conceito abstrato de fenômeno, consiste em romper o contato [...] das circunstâncias concomitantes, que complicam ou mascaram a essência dos fenômenos. Um conceito não coincide direta ou imediatamente com um fenômeno [...] porque o que é imediatamente dado em um conceito é transformado através da abstração” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 143-144).

Assim, um conceito científico reflete o que é essencialmente geral, que funciona ele próprio como produto de análise e abstração específicas (da transformação objetivamente condicionada de uma coisa). Rubinshtein (1957, p. 112) deu a seguinte descrição de uma essência: “A essência de uma coisa nada mais é do que a base (incluída nela mesma) para todas as mudanças que ocorrem com ela na interação com outras coisas”. Em outras palavras, é algo interno, próprio de uma coisa, algo que funciona como base de todas as mudanças, como sua lei. Neste nível, a definição de um fenômeno na forma de um conceito apropriado coincide com a formulação da relação básica à qual esse fenômeno está subordinado: “[...] A lei a que obedece determinado fenômeno está incluída em sua definição” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 111).

“O terceiro método de generalização envolve o próprio processo de derivação ou dedução”, Rubinshtein (1957, p. 151) escreveu. Essa generalização, que se realiza por prova, é erroneamente chamada de indução (completa ou completa), pois há uma transição do particular para o geral. Na verdade, é dedução, se considerarmos que dedução “significa uma derivação conclusiva de uma tese com base em outras, das quais decorre necessariamente [...]” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 151). Tal derivação teórica é realizada por um movimento bidirecional do geral para o particular e do particular para o geral – generalização e cognição teórica estão inter-relacionadas. Aqui deve-se fazer uma distinção clara entre o processo de sugerir empiricamente o que é externamente geral e o processo de derivar teoricamente certas teses com base no essencialmente geral; aí ocorre novamente uma generalização especial de muitos casos particulares (RUBINSHTEIN, 1957).

Como foi observado na seção anterior, Vygotskii e vários outros psicólogos enfatizaram que, na atividade mental real, a pessoa faz contra passagens simultâneas do particular para o geral e do geral para o particular. Contudo, ao verificar esse fato, eles definiram o nível particular de pensamento no qual isso se torna possível. Além disso, de uma forma ou de outra, tentaram correlacionar esse fato com o pensamento que opera com conceitos empíricos com base em uma propriedade formal, externa e geral. Contudo, nesse nível, o movimento contrário é impossível. Rubinshtein delineou claramente essa característica, revelando a ligação interna entre as contratransições e o processo de derivação teórica do concreto, o processo de prova a dedução distintiva que, por si só, não exclui o movimento do particular para o geral (ao mesmo tempo que passa do geral para o particular).

Para Rubinshtein (1958), o pensamento está internamente conectado com generalizações – é realizado nelas e leva a generalizações de ordem superior. Portanto, a conclusão de que diferentes níveis de generalização são determinados pelos tipos de generalização do material cognitivo é legítima.(7) Rubinshtein distinguiu entre generalização empírica e teórica como base para diferentes níveis de pensamento (visual e abstrato ou teórico). A primeira é o resultado da comparação e do delineamento do que há de semelhante ou externamente idêntico nas coisas (na sua opinião, nem sequer produz uma abstração no sentido próprio da palavra).(8) A última é o produto de análises e abstrações especiais, que estão relacionadas à transformação de dados sensoriais brutos com a finalidade de detectar e delinear sua essência.

Tal transformação pode ser efetuada tanto no nível dos objetos quanto no nível interno. Em outras palavras, destacar a essência como a substância de uma generalização teórica e de um conceito só é possível através de operações intelectuais e relacionadas a objetos particulares.Rubinshtein (1958, p. 57) escreveu:

No estudo da cognição ou do pensamento, uma investigação psicológica devidamente orientada não pode deixar de considerar o papel desempenhado, no processo de qualquer cognição, pela operação da pessoa com o objeto a ser conhecido, começando pelas operações práticas – na vida, no trabalho, na experimentação, e terminando com operações como o desenho de linhas, a construção de novas figuras na solução de problemas geométricos... O pensamento se desdobra como um processo que se realiza em formas de interação que lhe são específicas entre as operações realizadas pelo sujeito e pelo objeto – um processo que, quando transformado por essas operações, por sua vez, afeta o movimento posterior do pensamento.

A ação fundamentada e relacionada ao objeto é a operação intelectual geneticamente original, que é a base de todo pensamento. “A ação parece, portanto, transportar o pensamento para o seu próprio ponto, que penetra a realidade objetiva” (RUBINSHTEIN, 1946, p. 367). Essas teses fundamentalmente importantes de Rubinshtein criam as pré-condições essenciais para superar uma interpretação estreitamente sensacionalista e conceptualista da generalização do tipo que é peculiar à psicologia tradicional. Uma vitória decisiva e completa sobre o conceitualismo pressupõe, em nossa opinião, o reconhecimento da existência real do abstrato e do universal (veja mais detalhes no Capítulo 7).

No trabalho de Rubinshtein, infelizmente, não existem formulações especiais suficientemente detalhadas para descrever essa característica. Entretanto, muitas das suas opiniões, expressas em diferentes contextos, permitem supor que ele resolveu essa questão-chave na teoria da generalização precisamente dessa forma. Por exemplo, ao discutir a abstração científica, Rubinshtein (1957, p. 149) escreveu o seguinte:

Visto que a abstração científica tem... sua própria base na natureza das coisas e nos próprios fenômenos da realidade, então a articulação daquilo que é abstraído dos fenômenos e estabelecido em conceitos sobre eles, e daquilo a partir do qual a abstração é feita – isto é, o interno e o externo, expressa a estrutura da própria realidade objetiva e, portanto, tem uma base “ontológica”.

Um julgamento sobre a base ontológica da abstração científica é, em nossa opinião, um passo básico para o reconhecimento da sua existência real, em contraste com a abstração formal. Então, ao discutir a essência, Rubinshtein enfatizou que ela é uma base interna e adequada para todas as mudanças em uma coisa. Consequentemente, uma essência que se estabelece numa abstração é a base geneticamente original para o desenvolvimento de uma coisa.

Em suas obras Rubinshtein indicou a natureza distintiva do conteúdo do pensamento abstrato: “o pensamento, no verdadeiro sentido da palavra, é a penetração de novas camadas do real, o desenterramento e o trazer à luz do dia algo até então escondido em profundezas misteriosas...” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 110). Ele destaca a questão da correlação do particular e do geral como a questão essencial na teoria da generalização e na teoria da cognição como um todo, na qual o particular deve ser considerado inseparavelmente ligado ao geral (RUBINSHTEIN, 1957, p. 146). Com relação ao conceito, significa o seguinte:

... Para a generalidade de um conceito real, é necessário que ele tome o geral em combinação com o particular e o isolado, e revele o essencial nele... Uma concepção geral formada pela identificação de características gerais é meramente uma coleção externa de atributos, mas o conceito real assume isso em interconexões e transições (RUBINSHTEIN, 1946, p. 358).

Esses trechos das obras de Rubinshtein indicam que eram as conexões, as transições entre o geral e o particular, a derivação de um do outro que ele acreditava serem a substância de conceitos teóricos genuínos. Contudo, em alguns casos, encontramos ele fazendo formulações que parecem corroer essas teses sobre a substância dos conceitos como produtos do pensamento abstrato. Assim, num só lugar, Rubinshtein (1958, p. 13) percebe a natureza específica desse pensamento em sua interação não apenas com a realidade diretamente apreendida, mas também com “um sistema de conhecimento, objetivado em palavras, que se desenvolve no processo de desenvolvimento histórico”. É claro que um conceito teórico é objetivado em tal sistema verbal, mas isso não determina a natureza específica de sua forma ou de seu conteúdo, uma vez que uma noção geral empírica também está relacionada a um sistema objetivado de conhecimento.

Deve-se notar que Rubinshtein geralmente atribui um significado particular às formulações verbais no surgimento da atividade teórica. Assim, ele escreveu:

Somente com o aparecimento de uma palavra que permite que uma certa propriedade seja abstraída de uma coisa e uma noção ou conceito dela seja objetivada em palavras, com o produto da análise assim estabelecido é que os objetos “ideais” de pensamento, que são abstraídos das coisas, aparecem primeiro como atividade “teórica” e, portanto – essa própria atividade também (RUBINSHTEIN, 1959, p. 105).

Conforme mostramos no Capítulo 7, os objetos ideais que surgem através das palavras estão relacionados a vários tipos de atividade intelectual humana, mas por si só ainda não formam o pensamento teórico como tal. Este último surge com base na atividade transformadora de objetos, tendo o tipo de experimento sensorial que revela a essência das coisas, e essa essência é, então, colocada também em forma verbal. Além desta realidade específica relacionada ao objeto e de suas representações mentais, uma palavra pode ser um meio de estabelecer apenas um objeto ideal do tipo empírico, uma entidade no domínio intelectual prático da realidade. Aparentemente, portanto, ao descrever esse tipo de atividade como “teórica”, o próprio Rubinshtein estava colocando a palavra entre aspas, implicando qualquer produção intelectual, ideal, em contraste com uma produção imediatamente prática, material (em uma de suas obras está nesse sentido amplo que, ele caracteriza a atividade “teórica” como, em geral, a criação de produtos “ideais” na ciência e na arte [RUBINSHTEIN, 1958, p. 57-58]).

O papel da palavra é diferente na atividade intelectual em geral (incluindo, por exemplo, a operação com concepções gerais) e no pensamento especificamente teórico, que trata de conceitos, em particular. A forma de existência desses últimos consiste, sobretudo, não em palavras (funcionam no papel de um portador importante e necessário, mas externo, de algum significado como uma abreviatura quando um grupo de objetos homogêneos é englobado), mas em métodos de movimento do pensamento, ao derivar o particular do geral (em um meio de compreensão). Rubinshtein não delineou e acentuou adequadamente essa característica, em nossa opinião – ele recorreu frequentemente a formulações verbais como o meio básico de expressar um conceito teórico.(9)

Relacionado a essa circunstância, em essência, estava o fato de que Rubinshtein, às vezes, não indicava com muita precisão a natureza específica do pensamento teórico e suas diversas formas. Se a soma total de suas ideias, tal como desenvolvidas em trabalhos recentes (RUBINSHTEIN, 1957; 1958; 1959) é levada em conta, dois tipos de pensamento – empírico e teórico – podem ser destacados. O pensamento teórico é um tipo de pensamento totalmente soberano, que transforma dados sensoriais brutos através de operações específicas de análise e abstração (em contraste com a operação de comparação que é intrínseca ao pensamento empírico). O pensamento, como tal, para o homem moderno, é o pensamento realizado pela análise e pela abstração.

O pensamento empírico pode ocorrer em três formas – objeto-efetivo, visual-pictórico e verbal-simbólico. Contudo, o pensamento teórico também tem essas três formas, genética e funcionalmente relacionadas (veja no Capítulo 7). Portanto, uma distinção deve ser feita nos tipos de pensamento – em nosso entendimento – não de acordo com as características externas dessas formas, mas de acordo com a natureza dos problemas por elas resolvidos, de acordo com o conteúdo interno da atividade que lhes é adequada, de acordo com o seu método (em todas as formas, o pensamento empírico é realizado comparando propriedades semelhantes das coisas e estabelecendo-as numa concepção geral; em todas as formas de análise do pensamento teórico, destaca-se a essência das coisas e a fixa-se em um conceito).

Em Fundamentos da Psicologia Geral (Fundamentals of General Psychology [Osnovy obshchei psikhologii]), Rubinshtein (1946) não se limitou a esta base para distinguir os tipos de pensamento (embora ali se encontrasse de forma indireta, foi exposta com mais detalhes em trabalhos posteriores [RUBINSHTEIN, 1946; 1957; 1958], mas também se observa, aqui, um desvio dessa base em vários casos).(10) Ele delineou o pensamento visual e o abstrato, pensamento teórico (o pensamento visual se assemelhava ao pensamento empírico em muitas de suas características). A primeira delas está relacionada às concepções de imagem; a segunda, aos conceitos abstratos que se estabelecem em palavras. Aqui, por um lado, Rubinshtein observou a natureza essencial da distinção entre esses tipos (níveis) de pensamento e, por outro lado, a relatividade de tal distinção, uma vez que o pensamento visual e o pensamento teórico-abstrato se transformam um no outro de várias maneiras. Esses são “dois aspectos de um pensamento; conceito e imagem funcionam em qualquer nível de pensamento, mesmo no mais elevado” (RUBINSHTEIN, 1946, p. 363). Nesse pensamento unificado, o conceito e a imagem-concepção recebem uma unidade inseparável – “essa unidade funciona como uma unidade do geral (um conceito) e do individual (uma concepção)” (RUBINSHTEIN, 1946, p. 363).(11)

Essas teses introduzem confusão na interpretação da essência da diferença entre a correlação dos vários tipos de pensamento. Se falarmos de um pensamento unificado por parte do homem moderno, será o pensamento que terá as características do pensamento teórico propriamente dito (foi assim que Rubinshtein também pensou mais tarde; ver acima).(12) Contudo, neste caso, o pensamento visual não pode ser um tipo particular que existe junto com um tipo tão diferente como o pensamento teórico. Na verdade, funciona como uma forma especial para realizar esse último (além disso, existem ainda as formas objeto-efetivas e as formas simbólicas). No pensamento teórico que ocorre, por exemplo, na forma verbo-simbólica, pode haver participação de imagens também. Entretanto, isso não diminui a abstração, pois ela consiste em um método de atividade, no delineamento da essência de uma coisa, e isso ocorre na experimentação objeto-sensorial.

A unidade do universal e do individual funciona no pensamento, não como a unidade de um conceito e de uma imagem-concepção, mas como uma transição na forma de um conceito (só um conceito permite a reflexão desta unidade, conexão, transição). Conceitos, em vez de imagens-conceitos, permitem uma reprodução mental da concretude da realidade. Uma imagem visual e um conceito como características de uma unidade mental que refletem a conexão entre o geral e o individual só podem ser representados se forem deliberadamente interpretados num sentido tradicional, sensacionalista-empírico. Na teoria materialista dialética da cognição, um conceito é caracterizado, não com base na abstração (consequentemente, não de acordo com um afastamento da figuratividade e da visualidade), mas de acordo com o fato de a pessoa ter domínio de um método universal de reproduzir e construir o respectivo objeto (portanto, um conceito pode ser efetivo e sensorial).(13) Nesse nível, o pensamento teórico não pode ser reduzido ao pensamento abstrato e verbal, e oposto ao pensamento visual ou ao pensamento visual-eficaz.

Assim, em psicologia, como na teoria cognitiva moderna, o pensamento deve ser subdividido em empírico e teórico, sem conectar cada um deles internamente com qualquer forma particular de implementação (só então poderá haver uma compreensão adequada da interconexão, distinção e potencial específico dessas formas em um certo tipo de pensamento).

Detemo-nos nessa questão porque uma confusão das bases para a articulação de tipos de pensamento tem sido observada na psicologia até agora. Para muitos, parece totalmente natural contrastar e depois procurar uma unidade da imagem visual e do conceito abstrato, da visualidade e da abstração, do pensamento visual-efetivo e teórico. Rubinshtein não evitou essa oposição em sua época, embora seja uma oposição imaginária. A verdadeira base para decompor os diferentes tipos e formas de pensamento está em outro lugar.

Passemos a uma exposição dos materiais obtidos por Rubinshtein e seus associados em seu estudo de resolução de problemas (Perquisa de Zhukova, Slavskaya, Brushlinskii, Matyushkin, Frolova et al. [apud Asmus, 1947], Rubinshtein [1958]). Então, nos testes de Slavskaya, foram traçadas as condições para a transferência da solução de um problema geométrico (auxiliar) para a solução de outro (o básico), que era homogêneo com o primeiro em certo aspecto. Um problema auxiliar foi dado a um grupo de sujeitos nos estágios iniciais da análise do problema básico, e a um segundo grupo foi dado nos estágios posteriores. Descobriu-se que o primeiro grupo resolveu o problema auxiliar inicialmente como um problema completamente independente, sem relação com o básico, e só depois voltou ao básico. A generalização da solução ocorreu gradualmente, aqui, no decorrer de uma comparação detalhada das características de ambos os problemas. O segundo grupo de sujeitos resolveu o problema auxiliar de uma vez, destacando nele o elo essencial que ele tinha com o problema básico, na hora – aqui, não houve necessidade de uma comparação especial e detalhada das características dos dois problemas.

Ao tratar e interpretar esses fatos, Rubinshtein observou que o ato externo de transferência esconde uma generalização da solução, que é realizada pela inclusão de ambos os problemas em uma única atividade analítico-sintética, em que a análise das condições de um problema ocorre através de uma correlação com os requisitos do outro. Durante tal análise, há uma abstração das características não essenciais do primeiro problema e uma concretização da solução em relação ao segundo. O nível e as peculiaridades da generalização dependem principalmente da extensão e da profundidade da análise do problema básico, da pureza com que se delineiam as suas relações essenciais. “Quando e como uma generalização é realizada depende da análise do problema básico [...]. O andamento da análise do problema básico determina como é feita a generalização dos problemas” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 74).

Se as condições essenciais de uma solução não forem desmembradas puramente o suficiente das circunstâncias concomitantes nas quais o problema é inicialmente apresentado, então a generalização da solução está completamente ausente ou é bem pequena. Nesta situação, a generalização é finalmente alcançada “na forma de um processo detalhado e prolongado” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 115), através de uma correlação e comparação das diferentes instâncias de solução em que o “processo de singularizar o geral no sentido do semelhante” é realizado (RUBINSHTEIN, 1958, p. 113). Contudo, se a análise e a abstração fossem feitas com profundidade suficiente e permitissem o desmembramento das conexões essenciais para resolver o problema na forma pura, o problema acaba sendo resolvido não apenas no sentido prático para o caso particular, mas também teoricamente para todos os casos fundamentalmente semelhantes. “A solução obtida para um caso solitário adquire um significado generalizado [...]. O pensamento generalizado em um nível suficientemente alto é o pensamento teórico” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 115).

Assim, a generalização das soluções dos problemas pode ocorrer de duas maneiras: empírica e teoricamente. O primeiro é realizado por meio de uma comparação detalhada da solução de dois (ou mais) problemas. O último, através da análise de apenas um problema. Rubinstein (1958, p. 43) destacou:

A generalização de primeira ordem é conseguida por uma correlação e comparação de dois casos, dois problemas; generalização de ordem superior – por análise, delineamento das conexões essenciais dentro de um único todo, análise das relações essenciais dentro de um problema.

É aconselhável comparar as características dos dois tipos de generalização de resolução de problemas de forma compactada:

  1. a generalização do primeiro tipo é feita por uma comparação detalhada dos tipos de solução para uma série de problemas – aqui cada problema subsequente é resolvido como relativamente independente e particular, através de tentativa e erro; apenas gradualmente características semelhantes são encontradas nessas soluções, e isso leva à generalização;
  2. a generalização do segundo tipo ocorre com base na análise das condições e requisitos de um problema, o que permite abstrair suas relações essenciais; por isso a solução do problema adquire imediatamente um significado generalizado e é transferida in loco para toda uma classe de problemas, dotando-a de uma abordagem teórica do ponto de vista de um único tipo de solução.

A consideração do trabalho de Rubinshtein mostra que, do seu ponto de vista, o segundo tipo de generalização é uma continuação distinta do primeiro, em função da extensão em que um problema foi analisado: os estágios iniciais de análise fornecem uma generalização elementar, e os últimos estágios levam a uma generalização teórica. “Aqui há um movimento de uma revelação do geral como semelhante para um delineamento do geral que é essencial para o problema básico” Rubinshtein (1958, p. 114) observou. Em outras palavras, a generalização empírica como resultado da fase inicial de análise funciona como pré-condição para a generalização teórica.

Em nossa opinião, tal interpretação da correlação entre os diferentes tipos de generalização não corresponde aos dados atuais da psicologia e, além disso, distorce substancialmente a situação real. Na verdade, pode-se conceber o seguinte: todos os sujeitos receberam o problema auxiliar na última etapa da resolução do problema básico. De acordo com o produto final de sua atividade mental independente (generalização na hora), é possível afirmar que demonstraram pensamento teórico. Esse produto final é obtido com base na identificação de conexões essenciais entre a condição e os requisitos do problema. Contudo, a intervenção comparativamente posterior no processo de análise priva o sujeito das condições necessárias para realizar e obter um resultado adequado. Os sujeitos são compelidos a atingir o objetivo pela generalização empírica. Consequentemente, tal generalização funciona, não como um produto natural dos estágios iniciais de análise, mas como um resultado final regular da atividade mental em condições que, por razões externas, falta a possibilidade de desenvolver uma abordagem teórica do problema (temos em mente, é claro, os sujeitos que participaram dos testes discutidos por Rubinshtein e os problemas apropriados). Entretanto, se essa abordagem for desenvolvida sem interferência, então não surge generalização elementar preliminar ou intermediária – ela não é necessária, uma vez que as possíveis características similares da solução também são estabelecidas quando as conexões essenciais são destacadas de passagem, por assim dizer, mas em seu próprio caminho.

A posição de Rubinshtein em matéria de correlação de tipos de generalização contém uma certa contradição. Por um lado, ele conecta a análise principalmente com a abstração do essencial (ver acima) e enfatiza que algo é essencial, não porque se comporte como algo geral, mas é geral porque é essencial (RUBINSHTEIN, 1958). Consequentemente, o essencial é destacado no processo de análise e, portanto, também o geral, o semelhante, singularizado. Por outro lado, na própria análise, ele percebe um estágio inicial particular que leva à revelação do geral como um trampolim para o essencial. Essas duas posições se contradizem, a nosso ver. Na verdade, Rubinshtein acredita que o geral ou o semelhante é um provável indicador do essencial (portanto, sua hipótese de que o geral é estabelecido no começo, e depois o essencial, torna-se clara). Então, também seria adequado descrever a função da análise como determinante do geral e do essencial – o que Rubinshtein não faz, ao falar da análise apenas como um meio de detectar o essencial e, portanto, o geral.(14)

O problema de delinear o geral apenas como semelhante é resolvido por comparação e análise especial, e não requer abstração genuína. Esse é um nível relativamente independente de atividade mental – o nível empírico. Para a maioria das crianças, esse nível de generalização não é obrigatório (como foi nos testes descritos por Rubinshtein), mas é o único acessível a ele. Estudos de Krutetskii (veja o Capítulo 4) descobriram que a maioria dos estudantes generaliza as soluções para problemas matemáticos apenas através de comparação gradual e prolongada. Apenas algumas crianças encontraram uma solução generalizada ao analisar um problema e depois aplicá-la a todos os problemas de uma aula de uma só vez, na hora.

As características dos dois tipos de generalização delineados por Rubinshtein coincidem com a descrição dos dois tipos de generalização no trabalho de Krutetskii e outros psicólogos. Pode-se, portanto, concluir que nesses trabalhos, assim como nos estudos dos seguidores de Rubinshtein, a diferença entre generalização empírica e teórica foi verificada experimentalmente na atividade mental dos alunos – a diferença entre formas e meios de realizá-los, bem como sua eficácia cognitiva. As características de cada tipo de generalização encontram sua explicação adequada na revelação de sua função dentro de dois tipos diferentes de pensamento – empírico e teórico.

Essa circunstância é particularmente importante porque, em outro caso, as fontes e possibilidades desses tipos de generalização recebem uma interpretação distante da sua real natureza. Assim, Krutetskii não qualificou os tipos de generalização que descreveu como empírica e teórica – em particular, ele não trata os traços típicos do segundo tipo de generalização como manifestação particular do pensamento teórico, tendo sua própria lógica e seus próprios princípios orientadores. Portanto, ele não poderia – a nosso ver – indicar as fontes reais desse tipo de generalização. Do seu ponto de vista, estão enraizados numa orientação nas relações matemáticas, por parte de certas pessoas, que tem um caráter inato, dependendo da singularidade inata dos processos neurofisiológicos do cérebro dessas pessoas (KRUTETSKII, 1976). Ignora-se aqui a natureza historicamente desenvolvida do pensamento teórico, cujo domínio dos meios e normas por indivíduos particulares também determina sua habilidade em fazer generalizações teóricas.

Consideremos outro ponto da teoria de Rubinshtein que diz respeito ao papel do conceito no processo de resolução de problemas. Este processo em si, de forma geral, é concebido da seguinte forma: Ao confrontar uma situação problemática, uma pessoa primeiro analisa suas condições e requisitos, os dados conhecidos e algo desconhecido ou desejado. Em virtude disso a situação adquire a formulação de um problema propriamente dito, no qual o desconhecido está presente através de sua ligação com o conhecido. A atividade mental “consiste em partir do que é dado explicitamente, conhecido, para determinar o que é dado implicitamente – isto é, atribuído, desconhecido, que funciona como o que está sendo buscado durante esse processo” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 15).

O principal elo da atividade mental é a forma particular de análise através da síntese. Rubinshtein (1958, p. 98-99) escreveu:

[...] Esta forma básica de análise, o nervo básico do processo de pensamento, envolve o seguinte: o objeto, no processo de pensamento, está incluído em conexões cada vez mais novas e, portanto, funciona em capacidades cada vez mais novas, que são estabelecidas em novos conceitos; todo o novo conteúdo é retirado, por assim dizer, do objeto dessa forma; aparentemente, é sempre virado para o outro lado, e novas propriedades estão sempre sendo reveladas nele.

Essa virada ocorre no processo de análise da condição de um problema quando ele está sendo correlacionado com os requisitos e, via de regra, funciona em seus resultados como uma reformulação dos elementos iniciais do problema, que ao serem incluídos em novas conexões, funcionam em uma nova capacidade e, portanto, em uma nova caracterização conceitual.

Re-formulação [...] significa uma mudança na caracterização conceitual do objeto como resultado da atividade mental do sujeito e, ao mesmo tempo, a dependência do curso subsequente da atividade mental do sujeito das características conceituais nas quais o objeto está funcionando (RUBINSHTEIN, 1958, pp. 136-137).

Durante as re-formulações, algumas teses são substituídas por outras, que abrem maiores oportunidades para análises posteriores destinadas a articular a condição do problema no sentido próprio – ou seja, aquelas teses que determinam o processo de raciocínio que leva à solução. A análise também inclui o delineamento da condição essencial que leva a uma solução generalizada.

Antes de averiguar o papel das características conceituais no processo de resolução de problemas, deve haver uma breve descrição da interpretação de suas características gerais nos ensinamentos psicológicos tradicionais sobre o pensamento. Como se sabe, na maioria desses ensinamentos, presumiu-se que o pensamento surge numa situação-problema cuja resolução requer certa modificação das condições nele que são dadas abertamente (o que é conhecido – isto é, o sujeito original do pensamento). Durante essa modificação (análise, etc.) das condições, há um delineamento (julgamento) das relações anteriormente ocultadas, cuja confiança também leva a uma solução do problema. Aqui, a própria interpretação das peculiaridades dos dados brutos e da estrutura da análise é bastante diferente e até oposta (associacionista clássica, behaviorista, Gestalt e outras teorias).

Contudo, num aspecto, todas essas teorias, em regra, são semelhantes: diz respeito à interpretação do que determina se as relações são especificadas como abertas ou fechadas. Supõe-se que, apesar de todas as diferenças de conteúdo nessas relações, se elas são especificadas direta ou indiretamente depende da presença ou ausência de certas características de conteúdo intermediário do objeto, que permitem a passagem do conhecido para o desconhecido. Em princípio, admite-se que seja permitido que certas novas relações detectadas pelo pensamento sejam especificadas abertamente, e ao mesmo tempo, em outra situação e estabelecidas na mesma forma de concepção ou conceito em que as velhas propriedades abertas foram estabelecidas. A possibilidade de algumas relações serem especificadas de forma aberta ou fechada não está vinculada a uma determinada forma de reflexão e operação com o objeto de pensamento nessas teorias.

Portanto, a questão de que forma de especificação torna certas relações ocultas ou abertas para o sujeito e a forma como traduzir os dados brutos para que manifestem as qualidades necessárias para resolver o problema não é delineada ou especialmente investigada dentro do limite das teorias em consideração. Naturalmente, com tal abordagem, a atividade do sujeito em traduzir os dados brutos na forma de reflexão (forma conceitual, digamos) em cujo nível a possibilidade de tratar novas relações e qualidades em um objeto é revelada, não recebe tratamento especial. Os mecanismos dos processos de pensamento equivalem a uma modificação no conteúdo dos próprios objetos de pensamento, retirando ou adicionando a eles certas partes e relações – isto é, a atividade do sujeito em alterar as formas para especificar certas relações conhecidas é excluída delas.

Sabe-se que, por exemplo, na psicologia da Gestalt a resolução de problemas é caracterizada como uma série de conversões e transformações da situação problema inicial (K6WER, 1930(15)). Contudo, como Rubinshtein (1958, p. 18) mostrou, nesses casos “novos aspectos” que são detectados durante as transformações das situações são tratados por psicólogos da Gestalt não “como a descoberta pelo sujeito de novos lados de um objeto, mas como uma modificação – uma recentralização [...] da situação, cuja dinâmica é supostamente constituída pelo processo de pensamento”. As ações do próprio sujeito com o objeto estão excluídas desse processo. Se a solução de um problema pressupõe uma correlação entre as suas condições e os seus requisitos, então é tratado pelos psicólogos da Gestalt como uma correlação na qual “as condições e exigências do problema interagem entre si, em virtude da dinâmica das situações, independentemente da atividade do sujeito pensante de correlacioná-las” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 18). A solução é aberta, aqui, “na instrução dinâmica de situações fenomenais”, e o pensamento é transferido para o “objeto fenomenal” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 18-19). Assim, nessa questão essencial, a psicologia da Gestalt é semelhante ao associacionismo.

Em nossa opinião, esta é uma das consequências da absolutização da abordagem empírico-sensacionalista do pensamento, em que é impossível indicar a natureza específica do conteúdo objetivo que é descoberto pela pessoa apenas na forma conceitual. Com tal abordagem, a transição da percepção e concepção para um conceito era considerada meramente uma mudança na forma subjetiva do mesmo conteúdo, que é independente disso – então a possibilidade de detectar novos conteúdos foi considerada separada da ligação com a mudança na sua forma.

Nessa questão, a posição de Rubinshtein não supera os objetivos fundamentais das teorias psicológicas tradicionais. Segundo suas teses, um objeto se insere em conexões novas e reais e, portanto, revela suas novas qualidades. Um conceito é um meio de estabelecer novas qualidades, que são consequentemente detectadas pelo sujeito antes mesmo de lhes conferir forma conceitual.(16) As características conceituais funcionam aqui como um meio de reter novas qualidades de um objeto que já foram encontradas, mas não como uma forma ativa de realizar a descoberta de novas qualificações ou novas relações em um objeto.

Então, o problema central, que diz respeito à função de um conceito num ato mental, é deixado de lado: por que meios o sujeito pode colocar um objeto em novas relações, assim também descobrindo suas novas qualidades? Com que alavancas subjetivas uma pessoa transforma um objeto para ter a oportunidade de esgotar suas novas qualidades?

Estas questões não obtêm resposta dentro dos limites das teorias que não conectam o processo de descoberta de uma nova qualidade, o processo de transformar um objeto, com as formas particulares de reflexão como modos de atividade do sujeito.

Se os conceitos forem tomados apenas do ponto de vista da sua substância, a sua função estabelecedora, então o processo de detecção de propriedades especificadas implicitamente permanece inexplicável, uma vez que, nesse caso, é impossível indicar os meios subjetivos de movimento orientado para um objetivo no conteúdo de um objeto, os meios de transformá-lo. Mas esse processo torna-se explicável, a princípio, se um conceito for considerado não apenas do ponto de vista do conteúdo já encontrado e estabelecido, mas também como um meio específico para o sujeito atuar na detecção de qualidades ainda ocultas de um objeto (não apenas quaisquer qualidades, mas aquelas completamente definidas). Tal função pertence a um conceito porque o conceito é um tipo especial de modelo criado no processo da atividade cognitiva humana. Traduzir um objeto na forma de um modelo permite a detecção de propriedades nele que não podem ser reveladas quando se opera diretamente com ele (para mais detalhes, veja o Capítulo 7, também Davydov [1960]).

É claro que não esgotamos, de forma alguma, toda a gama de ideias da teoria do pensamento criada por Rubinshtein. No contexto do nosso próprio problema, foi importante mostrar que as seguintes teses estão claramente desenhadas nessa teoria: 1) um traço característico da mente do homem moderno envolve a determinação da essência das coisas quando há uma explicação subsequente de diferentes fenômenos com base em um conceito dessa essência (ascendendo do abstrato ao concreto como método de pensamento teórico); 2) a diferença entre pensamento empírico e teórico é determinada pela diferença entre formas e meios de realizar a generalização; 3) a singularidade de uma generalização teórica é que ela é realizada pela análise e abstração das propriedades essenciais das coisas (isso serve como base para uma solução generalizada que é desenvolvida para um problema isolado e depois transferida na hora para todos os problemas de uma classe), 4) as operações mentais (análise, generalização, etc.) devem ser reveladas como formas e métodos de atividade do sujeito com um objeto.

Estas teses criam as condições prévias para superar as consequências da teoria empírica do pensamento que, na nossa opinião, são os maiores obstáculos ao desenvolvimento dos fundamentos psicológicos para a atividade educacional dos alunos. Rubinshtein conectou o empirismo sensacionalista e a absolutização do pensamento empírico com as tradições da psicologia que se baseou na lógica formal tradicional. Foi com uma confiança total nos princípios da lógica dialética durante a concepção de uma teoria psicológica do pensamento que ele viu a única maneira de libertar a psicologia do empirismo sensacionalista, em geral, e da teoria empírica da generalização, em particular.(17)


Notas de rodapé:

(1) N. A.: “O processo de pensamento é, acima de tudo, analisar e sintetizar [...]; isso, então, é abstração e generalização, que são derivados delas. Os princípios que regem esses processos nas suas inter-relações entre si são os princípios internos básicos de pensamento [...]” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 28). (retornar ao texto)

(2) N. A.: “O movimento do pensamento, tomado como um todo, segue o caminho da realidade concreta não analisada, que ocorre na contemplação sensorial direta, até a revelação de suas leis em conceitos do pensamento abstrato, e deles até a explicação da realidade [...]” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 109). (retornar ao texto)

(3) N. A.: “[...] é justamente desta forma - pela inclusão da relação epistemológica e cognitiva com o ser na sua definição, nas características internas do mental - que a interpretação subjetivista do mental é superada” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 172). (retornar ao texto)

(4) N. A.: “[...] A teoria da generalização por meio da comparação é, na melhor das hipóteses, a teoria da generalização sensorial elementar, que não ultrapassa os limites do sensorial e não conduz a conceitos abstratos, em vez de ser uma teoria geral de generalização, incluindo suas formas científicas superiores” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 141). (retornar ao texto)

(5) N. A.: “Generalização é um pré-requisito necessário da cognição teórica. Resolver um problema teoricamente significa resolvê-lo não apenas para um determinado caso particular, mas também para todos os casos homogêneos” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 153). (retornar ao texto)

(6) N. A.: “[...] a abstração científica, que caracteriza o pensamento científico abstrato, não é um ato da vontade subjetiva. A abstração científica é objetivamente condicionada” (RUBINSHTEIN, 1957, p. 140). (retornar ao texto)

(7) N. A.: Rubinshtein (1946, p. 362) escreveu: “Pode-se [...] distinguir entre os diferentes níveis de pensamento em relação ao quão alto é o nível de sua generalização, quão profundamente ele passa do fenômeno à essência, ao mesmo tempo, [...] níveis tão diferentes de pensamento [...] são o pensamento visual em suas formas elementares e o pensamento teórico abstrato”. (retornar ao texto)

(8) N. A.: Rubinshtein (1946, p. 356) fez uma conexão direta entre a noção de generalização empírica e o ponto de vista da teoria psicológica tradicional, “que dependeu da lógica formal [...]. Desse ponto de vista, o geral é recebido, propriamente falando, apenas como um elemento individual repetitivo. Tal generalização claramente não pode exceder os limites do isolamento sensorial e, portanto, não revela a essência genuína do processo que leva a conceitos abstratos”. (retornar ao texto)

(9) N. A.: Contudo, em vários casos, Rubinshtein conecta a “natureza teórica” do pensamento com certos métodos de atividade na resolução de problemas (uma solução teórica é uma solução para um problema para todos os casos homogêneos [RUBINSHTEIN, 1957, p. 15, e outros trabalhos]). Ao falar do surgimento da atividade teórica, ele destaca a importância, nesse processo, do método da atividade (análise) e do conteúdo (essência), em vez dos meios externos de estabelecê-los, ao invés de palavras; “Destacar a atividade cognitiva da atividade prática está relacionado ao surgimento da generalização como resultado da análise, que destaca as propriedades essenciais para um problema” (RUBINSHTEIN, 1958, p. 64). (retornar ao texto)

(10) N. A.: O desenvolvimento e o refinamento de teses teóricas são um processo totalmente legítimo na atividade do cientista. Aqui, comparamos a abordagem de Rubinshtein ao pensamento, conforme expresso nos Fundamentos, com suas teses posteriores porque, no momento, são os Fundamentos que estão tendo o maior efeito da nossa psicologia (particularmente a psicologia infantil e a psicologia educacional) na interpretação da natureza do pensamento. (retornar ao texto)

(11) N. A.: Rubinshtein (1946, p. 359) escreveu: “Uma concepção, uma imagem visual, expressa principalmente o indivíduo, e um conceito expressa o geral. Eles refletem aspectos diferentes, mas necessariamente interligados da realidade”. Então fica claro que a reflexão desses aspectos interligados no pensamento pressupõe uma interligação entre conceito e concepção – concepções são combinadas internamente com conceitos. Essa natureza do processo mental serve de base para o conhecido princípio didático da visualidade (RUBINSHTEIN, 1946). Ao mesmo tempo, no livro Ser e Consciência (Being and Consciousness [Bytie i soznanie]) Rubinshtein (1957, p. 104) formulou outra tese, segundo a qual as propriedades gerais passam a ser conhecidas pela sensação e pela percepção, “mas somente no pensamento o geral funciona dessa forma - em sua relação com o particular”. Nessa tese, a relação (ligação) entre o geral e o particular é legitimamente percebida como o conteúdo do pensamento propriamente dito e, consequentemente, de um conceito. (retornar ao texto)

(12) N. A.: Em um de seus recentes trabalhos, Rubinshtein (1958, p. 40) escreveu o seguinte: “A habilidade de destacar o essencial é, em geral, um atributo básico da mente”. Contudo, o essencial é destacado pela análise e pela abstração, que produzem uma generalização teórica – que também provou ser um atributo básico da mente, em geral. (retornar ao texto)

(13) N. A.: Vale ressaltar que Rubinshtein (1946, p. 356) observa diretamente a possibilidade da existência de um conceito em uma operação - a base, a “raiz e protótipo” de um conceito propriamente dito como generalização consciente. O termo consciência é vago, mas em princípio, é legítimo afirmar que um conceito em operação é um protótipo de um conceito que tem forma simbólica. (retornar ao texto)

(14) N. A.: O essencial nem sempre funciona como o geral no sentido do semelhante, e o semelhante nem sempre é um indicador do essencial. Nesse assunto, na nossa opinião, Rubinshtein não levou a análise até sua conclusão lógica. (retornar ao texto)

(15) N. T.: Mantida a grafia da obra traduzida. (retornar ao texto)

(16) N. A.: Assim, Rubinshtein (1959, p. 82) escreveu: “Incluir um determinado elemento (objeto) em novas conexões nas quais suas novas propriedades são reveladas, e especialmente a definição ou descrição desses aspectos recém-revelados de um objeto por um novo conceito, é a atualização do conhecimento”. (retornar ao texto)

(17) N. A.: Rubinshtein (1946, p. 343) escreveu: “a relação da psicologia com a lógica e da teoria cognitiva, com a filosofia, aparece distintamente na história dos ensinamentos psicológicos sobre o pensamento. Assim, a psicologia associacionista procedeu do ponto de vista do empirismo inglês [...]. Nossa psicologia soviética do pensamento procede da lógica dialética, da dialética materialista”. (retornar ao texto)

Inclusão: 07/05/2024